Dias atrás, nos Estados Unidos, uma mulher de 25 anos matou os filhos, ateou fogo à sua própria casa e suicidou-se. É um gesto gravíssimo, espantoso, mas não isolado.
Opinião de Frei Silvino Benetti*
Matança dos familiares e consequente suicídio estão acontecendo em diferentes países e poderá acontecer, ou já aconteceu, nas nossas famílias. Para encaminhar uma possível resposta, gostaria de fornecer dois dados: nalguns países da Europa, só nesse último ano, por causa do lockdown, os pedidos de separação conjugal aumentaram na ordem dos 60% . Os estudos da European Heart Journal dizem que, anualmente, no mundo morrem 8 milhões de pessoas por causa da poluição.
Esta é uma prova evidente de que estamos envenenando o ambiente onde vivemos, bem como também as relações das quais vivemos.
Por causa dum interesse ilusório, infantil, egoístico e momentâneo, as pessoas hoje envenenam quem vive com elas, de uma forma ou de outra, longe ou perto que sejam. E, para os efeitos de uma lei natural e portanto impossível de mudar, as consequências desse veneno tem efeito inesperado e mortífero para todos.
O livro de Géneses, com um mito, nos apresenta uma realidade dos antípodes da criação: Caim mata o irmão Abel. Mais tarde o Amor/ Irmão que pertence a história da nossa humanidade é morto na cruz. O assassínio do corpo e do espírito que causa endoidecimento ou morte de um irmão(ã) para outro(a) é realidade que circula nas nossas veias. Antigamente a informação não circulava como hoje, mas esses assassinatos aconteciam nas blindadas privacy dos lares ou nos indefesos lugares de trabalho.
Não é de se desesperar que uma mulher endoidecida mata os seus filhos. A morte de Cristo os acolhe e a Igreja proclama a Ressurreição. Quando Cristo pergunta: “encontrarei fé sobre a terra ?” (Lc.18,8) pergunta à Igreja se Ela fica bloqueada pelo espanto, mesmo à volta do altar, ou se está a “praticar” o amor que Ele trouxe a este mundo de assassínios. Esse amor salva, cura, consola e acende a luz da Esperança no mundo todo, para os bons e para os maus (Mt. 5,45). Quando nos pomos a refletir sobre o amor podemos nos perder em elucubrações inúteis ou pior, podemos deturpar o seu sentido (Jer. 23,36), mas se formos “praticar” o amor dando de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede (Mt 25,35-36), empunharemos a verdadeira arma contra o mal.
Praticar esse amor defende-nos de um grande perigo: tornarmo-nos instituição fria e impessoal para construir comportamentos que criam relações entre as quais acontecem e realizam-se as dinâmicas do amor. Quem dá deve olhar com amor quem recebe, dando-lhe a possibilidade de ter “dívida” que começa ao dizer “obrigado”. É a partir dessa forma de relacionar, que na história da Igreja, alguém encontrou as forças para construir hospitais, fábricas, congregações religiosas e partidos políticos; os quais mais tarde se perderam porque enfraqueceram as relações de amor entre quem neles vivia ou trabalhava.
Cada geração tem de recuperar ou recriar as razões da existência e cada cristão deve aprender a enfrentar os riscos da sua fé. Essa é que é a vida. Mas não sendo tarefa fácil, Deus criou os consagrados(as) que tem de ir em frente libertos dos afetos familiares e ricos da força da comunidade para dar testemunho da “prática do amor”. É uma questão de justiça visto que o amor de Deus, por causa da morte de Cristo, está ao alcance e tem de socorrer as vítimas do veneno que circula nesse mundo.
Dia dos Consagrados - 02 Fevereiro 2021
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* frei Silvino Benetti e a comissão Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Capuchinhos de Cabo Verde.